Desde que me lembro por gente sempre gostei de viajar. Quando pequeno, viajar era algo especial, meio que sagrado, como toda aquela prataria que fica na cristaleira de casa e que só é usada uma vez por ano, para “ocasiões especiais”. Como se coisas boas demais tivessem que ser usadas o mínimo possível, para não estragarem.
Eu cresci, mas o tabu do “algo especial” continuava. Folheava revistas de turismo diversas vezes, apenas sonhando com o dia que poderia viajar para lugares até então impossíveis de ir, como a Europa, a Australia, o Japão… (até mesmo o sul da Argentina). Estes eram até então destinos caros, para pessoas ricas, bem longe da minha realidade.
Aí entrava outro problema. Nunca fui bom em juntar dinheiro. Ao invés de juntar o ano todo, para fazer a tão esperada viagem, fazia várias pequenas viagens nos finais de semana, feriados….
Finalmente, entrei em contato com o mundo mochileiro, através do web site www.mochileiros.com. Pessoas normais, de todas as classes sociais, que combinavam viagens, trocavam dicas e viajavam com o orçamento no limite, mas tirando o máximo deste orçamento. Descobri o mundo dos hostels e seus quartos compartilhados de 20, 30 reais a noite. Descobri a viagem low cost. Descobri que viajar não era sinônimo de luxo, e não era privilégio dos ricos e endinheirados.
Nesta etapa, eu já estava louco de empolgação. Fazendo contatos, programando meu primeiro mochilão, tentando descobrir o máximo deste novo mundo.
Mas havia ainda um obstáculo a ser superado. O mito do “mundo perigoso”.
Eu como paulista (e que me perdoem os paulistas de modo geral, mas vocês sabem que é verdade), tinha uma visão extremamente distorcida do mundo. Uma visão estereotipada de que o mundo é um lugar louco e perigoso, e o único lugar decente, além dos Estados Unidos e Europa, era meu glorioso estado de São Paulo. Nordeste é só pobreza e analfabetismo. O Uruguai é uma grande fazenda, sem muito o que ver ou fazer. Seria sequestrado na Bolívia, assaltado na Colômbia e venderiam meus órgãos na América Central. No sudeste asiático pegaria alguma doença fatal como malária, febre amarela e febre tifoide. Quem sabe as três.
Enfim, superado este medo, fui em direção aos meus primeiros mochilões pela América do Sul. Conheci australianos, ingleses, alemães e holandeses a rodo. O que vocês estão fazendo aqui na nossa pobre e perigosa América do sul? Como assim vocês tiram 6 meses de férias e fazem um tour por diversos países? Você esteve na Venezuela? Você é louco! Só tem sequestrador e traficante lá!
Descobri aos poucos que o mundo é um lugar civilizado. E acabei descobrindo que o Brasil está mais perto do fim desta lista que do começo. Ou seja, está acostumado com o Brasil? Com São Paulo? Então não se preocupe, não há o que temer! Você já foi treinado com as melhores técnicas contra golpistas, vigaristas, batedores de carteira e assaltantes.
Em qualquer lugar do mundo a civilização é (mais ou menos) igual. O mundo todo foi colonizado por europeus. Seus costumes estão espalhados por toda parte. Em todo lugar há hotéis, estradas, ferrovias, estações de ônibus, lojas, feiras, guardas de trânsito, chocolate, camisetas made in China, tênis made in Indonesia, celulares made in Korea. Há costumes diferentes em todos os lugares, mas o que nos torna humanos e nos une é o mesmo em todo lugar. As pessoas paqueram, se apaixonam, casam, têm filhos, trabalham, pegam ônibus, visitam os parentes, trocam presentes.
A cada país que conhecia, vendo suas semelhanças e diferenças, mais queria conhecer. A partir daí comecei a desenvolver um novo tipo de doença, uma síndrome de ansiedade compartilhada com todo mochileiro. Você faz as contas de quantos países tem no mundo e de quantos anos teria até morrer. E vê que a conta não bate. “Não vai dar tempo!”. Literalmente ficamos agoniados com o fato de não dar tempo de conhecer todo o mundo em nosso tempo de vida.
Esta doença se alastra pelo dia a dia. Cada dia que você faz exatamente a mesma coisa que fez no dia anterior, sente que foi um dia perdido. “Eu poderia estar viajando! Conhecendo algo novo!”.
A partir daí, percebe-se que só há uma saída para manter esta ansiedade sob controle. É ceder a ela, e ao invés de tentar combatê-la, alimentá-la. Para isso é necessário uma mudança de vida radical. É preciso viver viajando! Rever prioridades e focar no seu objetivo. Ajustar as condições de trabalho, se desfazer do supérfluo. Reorganizar seu modo de pensar. E quando o máximo de coisas que temos controle estiverem sido definidas e organizadas, abraçar o que não temos controle e dar uma chance para o incerto.
E foi assim que virei nômade digital! (Esta foi a explicação curta. Para um explicação mais detalhada, acompanhe nossos próximos posts!).